sábado, 25 de junho de 2011

Chove Na Minha Terra...

                






                      

                    


                        Pretensão de gaúcho identificar que esta terra seja minha. Mas, a comoção de ver que sobre ela chove novamente, me faz comemorá-la, como filho e dono deste espírito índio que grita de orgulho o real sentido de querer bem a própria terra:
            Q U E R Ê N C I A... minha QUERÊNCIA.
           Provavelmente alguém estudará os motivos técnicos meteorológicos que promovem as estiagens e nos privam das aguadas abundantes. Portanto, a meu ver, jamais teremos a exata conclusão de por qual razão as águas dos olhos celestes pingam fortes em vários lugares e desviam nosso território durante significantes meses.
            Chove na minha Bagé... São vinte três horas e treze minutos e as águas fortes do céu de 7 de junho umedecem campos e gelam ainda mais os lombos noturnos. "Cozas del campo" como diria José Larralde o pensador "pensador y gaucho" como poucos.
             Chove na nossa terra... e a emoção de vê-la respirando, qual os peixes, reinicia a esperança de quem planta e a previsão de quem cria o fruto principal da razão rural deste pedaço de mundo.
           "No entende la industria de criar hacienda sin un limpio orgullo de sangre campera.” (Osíris Rodriguez Castillos)
              Amanhã o sol chegará... Tímido, mas o ar será de um outono revigorando a natureza que sofreu.
             (tropeando a lonjura o tempo que berra, fareja uma encerra que o vento procura e a chuva madura traz cheiro de terra e a chuva madura traz cheiro de terra...)
            Jayme Caetano Braun, sábio de almas e campos, nestes versos, musicados pelo importante Leonel Gomez e marcados na voz do inconfundível Luiz Marenco, ofereceu-me, na infância, a imagem de um final de seca...  
           Cantei este chamamé quando gurizote, e jamais imaginaria o meu destino de cantar clamando o bem da terra e de seus inocentes filhos plantadores de incertezas.
           Chove sobre minha gente, sem maior ou menor chamamento que as preces ajoelhadas na sede dos campos e no empoeirado das vilas que clamam coqueando baldes e mendigando água aos carros-pipas  restos de aguadas aprisionadas no projeto de melhorias...
           Chove a sede no rosto de quem não colhe, secam couros revestindo as ossamentas na morte da criação...
           Chove na minha querência e a postura é a de gaúcho, que na média é religioso quando sofre ou emociona-se ao renascimento do verde.
         Agradeço... em nome de tantos que não agradecerão por inocentes sobreviventes do caminho dos andejos campestres...
 Não há tempo pra chorar, gaúcho...  Caminha!
O tempo é tempo e chora às vezes...
sou teu filho e rezo  à ti  - irmão dos campos -
que me faz poema em prece onde  estivestes
procurando o pasto vivo em alimento
e as aguadas pra evitar a dor das reses...

                          Chove na minha terra, necessito ser gaúcho e ter Q U E R Ê N C I A.

Em várias edições da importante Expofeira de Bagé fui solicitado, como compositor, para criar algo sobre o histórico dessa feira que encaminha-se a um século de existência. Em todas as vezes que compus, deixei claro meu linguajar não comercial, e sim, simbólico manifesto em nome da emocionante arte de representar, cantando o campo, seus frutos e trabalhadores, sem distinguir preferência.
A seguir, o texto que ilustrará, este ano, a regravação de uma música composta há alguns anos para a citada feira.
Divulgo para os leitores do Diário Do Andante, na intenção de contaminá-los positivamente com a necessidade de aproximarmos os momentos de descanso, ao cultivo importante de adorar as águas e os elementos que nos são entregues pela natureza, para que vivendo deles e com eles, cultivemos o alimento físico e espiritual.

                                                                     CAMPO

No momento em que te escrevo, campo...
Chora o céu sobre teu colo, necessitado de lágrimas.
É a tão esperada benção aos semeadores de gado e aos tropeiros de sementes...

Há quanto tempo minha gente ronda o céu e ama o campo?
Há quanto tempo escrevem e cantam, no ritual de criar vida e mantê-la aos que virão?

No momento em que, a ti escrevo campo,
muitos outros choram juntos, o recomeço do verde
e o renascimento da poesia de criar...

Na epopéia crioula de mantermos vivo o cenário dos anteriores - filhos da terra –
tropeçamos muito...   e levantamos tantas vezes,
motivados pela história colorida dos avós em preto e branco.

No momento em que me ouves - campo –
estou falando por bons séculos de genuínos bravos "de a cavalo"
e  estou nos ventres das mulheres que geraram nosso significado de ser...
campo e vida.

Há quanto tempo minha gente ronda o céu e ama o campo?
Há quanto tempo escrevem e cantam, no ritual de criar vida e mantê-la, viva, aos que virão?

No momento em que te escrevo, campo...
Chora o céu sobre teu colo, necessitado de lágrimas,
É a tão esperada benção aos semeadores de gado e aos tropeiros de sementes...

No momento em que te escrevo, campo...
Chora o céu sobre teu colo, necessitado de lágrimas.
Chora o céu sobre teu colo, necessitado de esperança.

Bagé, 17 de junho de 2011.

domingo, 19 de junho de 2011

Tio Basta

No momento em que escrevi esta introdução ao texto do Diário, estava aguardando, na rodoviária de Porto Alegre, a chegada de uns amigos para que seguíssemos rumo a Lages, onde desenvolveremos o Projeto VERTENTES, desta vez na região serrana do Estado de Santa Catarina, onde o entrevistado, desta vez, "Tio Basta", um típico e popular gaúcho de Jaquirana-RS, que há muitos anos cruzou para o lado Catarinense e leva, literalmente, a vida de Gaúcho no sentido histórico da palavra.
Alguém que desconhecemos os detalhes familiares por ser introspectivo e eterno andejo dos rincões que necessitam sua mão de obra especializada.
Na noite do dia 18, sábado, antes de partirmos para Lages, recebi a ligação de um amigo que foi o elo entre nós, do Vertentes e ele nosso verídico personagem. Dizia-me o amigo André que tio Basta, que esteve monitorado por dias nas estâncias da redondeza, havia partido pra onde as necessidades de andarilho e poeta inconsciente o chamava, para que escrevesse mais uma página no diário dos corredores...
Esteve a nossa espera por alguns dias, desenvolvendo uma de suas habilidades de homem de campo, a importante manutenção de alambrado, somada às domas de mulas para os serviços da região.
A minha imaginação, também de andante, porém, de quem assumiu o compromisso de registrar os últimos elos entre a vida real atual e esta que ainda posiciona-se como vertente dos poetas ligados ao campo, manda que eu encilhe e procure pelos campos da Coxilha Rica, ou possíveis bebedores do gaúcho noturno, esse manancial autentico que somente por imaginá-lo, modifica-me o suor da pele que deseja escrever algo por e para seu instinto caminhante que procura algo que morrerá sem saber o que realmente é.
 Os corredores te chamam - verídico caminhante -
E te imagino no instante bebendo geada e sereno
Teu mundo - nunca pequeno - saltou de novo o alambrado
E não permite ao povoado  saber quem és e onde estás.
Eu te compreendo e no más... te oferto o canto do andante
Que pra nós dois é o bastante quando se sente o que faz.

Te vejo além da imagem bebendo a estrada do olvido
Sem perceberes – ferido – pelos valores atuais
Tio Basta o tempo é quem faz o solitário caminho...
O gaúcho é um mar de vinho, em tempestade interior
Se te resta o corredor, num último grito de vida
E te comtempla a partida na glória cheia de espinhos
Te basta um trago de vinho e o temporal - Mula mansa -  
É quem te chama pra dança no pedestal dos caminhos.



terça-feira, 14 de junho de 2011

MIRADA

                                                                          "vichando" aquarela de Francisco Madero Marenco (Argentina) 

Amigos

Um saludo para todos, falo do lado de cá da minha imaginação orgulhosa, que comemora muito lúcida a importância de ser lido. Com sinceridade tento – obviamente - de maneira impossível, por entender-me humano, evitar o envaidecimento causado pelas numerosas visitas deste espaço, o Diário do Andante. E por isso hoje abraço a todos que já acompanharam às muitas linhas que dediquei aos que me oferecem um tempo precioso.
Comunico que tenho um texto novo, sobre a chuva, guardado para a semana que vem.  Sim, essa mesma chuva que ainda teima em não chegar no meu rincão, mas que há uns dias atrás me encontrou motivado a escrever e, por uma hora umedeceu os campos da minha Bagé. Mas isso será outra história.
O assunto hoje, retornando ao começo do tema, é de comemorarmos o número de acessos ao Diário Do Andante ter alcançado hoje, 14 de junho de 2011, quando completa apenas dois meses de existência: 9.123 visualizações.
Repetindo as palavras acima, convido para nesta simbólica comemoração que, possivelmente nos levará ao ambiente que principalmente me agrada estar que é o verso dedicado ao campo e seu universo onde me identifico muito com o que escreveu o sábio Jorge Luís Borges – impressionante escritor e poeta argentino:
" Não criei personagens, Tudo que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção."
Com a proporção real que separam autores, cito este mestre da palavra, aconselhando-o para importantes leitores deste meu espaço de peregrino das palavras... e assim sendo, estaremos reforçando nossos encontros e nutrindo: olhos, ouvidos e vozes para o preparo da consciência e da importância da leitura de qualidade, que não salvará mais o mundo, porém melhorará o caminho que nos cobrará ainda muito se estivermos vazios do poder poético das palavras sábias que inundam um mundo oculto para muitos.
Seguem aqui meus símbolos, minhas fábulas, mas pricipalmente minha emoção que, não autobiográfada desta vida, mas possivelmente de inúmeras anteriores, teimam em mudar minha respiração quando escrevo.


m i r a d a

Nem o sol clareava bem a humildade dos campeiros

e a milícia de tropeiros já ia ao tranco na estrada;
reinava a força dos pingo, pechando pra São Domingos todo o vigor da boiada.

(A tropa lenta e manheira, pesava no corredor,
o empenho da culatra - cantava no arreador -
e o capataz comandava, junto à poeira que tapava, os que faziam fiador.)

CAMINHO largo aos que miram com olhos de chegar cedo,
CAMINHO lento aos que enxergam as distâncias de um tropeiro...

Mil e pico de boi gordo rumo ao céu de uma charqueada;
passo lento, feito todos, que meus olhos bolicheiros,
viram passar resmungando entre berros e bocejos...
...junto ao destino de boi que leva a própria carcaça
e deixa a imagem que passa chorando o próprio cortejo...

Cria "dadonde" o mulato corpo leviano num mouro?
E aquele feições de touro que,  quando ergue a soitera
Parece erguer a bandeira numa "escramuça" de guerra?

Maior herói farroupilha se torna o taura em vigília,
no fiador ou na culatra, somente a estampa relata
donde vieram os pampeanos que empurram bois e existência,
pra terem mais que a experiência na altivez de vaqueanos!

CAMINHO largo aos que miram com olhos de morrer cedo,
MIRADA índia que enxerga a vida além das janelas...

Um céu de maio nos ombros denuncia o veranico;
um bragado - pingo e pico - atrás de um boi se desmancha  quando a tropa negaceia,   parece levar nas veias coragem abrindo cancha, por crioula e libertária,
e a nobreza no combate que se escapa e não se prancha
por que traz de Gato y Mancha  sua alma hereditária.

.........................................................

Muitos anos de bolicho, tantos outros de quilero
e me aquerenciei pulpero, dono de mim, junto aos meus,
numa linha de fronteira onde a altivez campeira  perpetuou-se em  hombridade! 

E as previsões de taperas que assombram quem permanece:
lavrando a boi - feito prece – mariposeando a quietude
mesmo que o campo se mude para expandir-se a cidade...
hão de beber humildade estes tropeiros do nada,
que sempre encontram aguada nos descaminhos do rumo
em pulperias pro fumo e goles de madrugada!

CAMINHO lento que para junto ao balcão do vendeiro,
AGUADA antiga que nutre a solidão de um tropeiro...

Buenos dia!!!
- Da onde o fumo?  Pergunta um, dos que chegaram  primeiro.
- De onde veio - lhe devo!  Pro céu te leva certeiro!

Num sorriso ergueu-se a face judiada do forasteiro.
- Deste mesmo, um naco bueno,  pra o picumã no chapéu
que dos perigos da estrada somente quero a morada e o catre largo do céu!

- A canha sim te garanto a procedência serrana;
de enfeitiçar querendonas e adormecer no teu ninho.

- La pucha!   Melhor que vinho!  Disse o segundo campeiro.
- Duas garrafas pulpero.
Que não me falte dinheiro pois quero ainda umas bala.
Que mais adiante se fala de um povoado além do passo
e se não rondo - me passo -  e adoço alguma janela
roubando alguma donzela pra descansar no meu braço.

- Não facilita os cachorro te manotearem do pala
e no lugar da donzela,  tu te agarre com o pai dela que gosta muito de bala.

Caminho largo que para pra algum sorriso guardado,
Bolicho amigo que espera algum tropeiro cansado!

Quatro mudanças de lua, somente quatro estações...
Centenárias gerações:  novo gado, outro dono,
Sai verão,  acorda outono...  TROPA!!!  TROPA!!!   Afina no cotovelo,
que os arame do Curbelo  tem mais remendo que trama
e se apertá se derrama noutro lado do potreiro!

VOLTA BOOOI!!!
                           
                                Aboio largo se perdendo junto ao tempo...

VENHA BOOOI!!!

Chamado errante do ponteiro que caminha,
convidando a tropa larga para o seu próprio cortejo.

Resmunga o gado andarilho...
e o meus olhos bolicheiros enquadram tropa e tropeiros.

    Num veranico de maio pintei mais uma aquarela...
MIRADA índia que enxerga a vida além da janela...

16/06/2004
 obrigado por acompanharem meus singelos passos.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

CURANDEIROS



Dedico este texto à memória dos missioneiros que conheci em forma de palavras e melodias e viverão sempre nos meus passos  de andante diário.


Eles estiveram lá...     

Onde há ruínas, cheguei tarde ou retornei? Agora, com outro tipo de missão cheguei há tempo nas ruínas missioneiras: Redução de São Miguel.

         24 de outubro do ano de 2010.     Senti-me jovem, e ao mesmo tempo mais antigo que a saudade dolorida que habitava a Catedral. Não consegui guardar, só para mim, as lágrimas e palavras que afogavam o interior. Chamei pelo telefone o meu guia geral, que apelidaram, nesta vida, de Eron Vaz Mattos e simplesmente agradeci a ele o que era, para mim, a mais próxima intenção de saudade.

Eu estive lá... 

Onde há ruínas, afagou-me o vento manso como o filho que retorna e tem saudade do carinho materno da terra – Mãe de todos –  Mãe  para todos...

Entendi exatamente sua cor vermelha. O simbolismo das paredes e, aprendi que até na pedra fundem-se as raízes da figueira, numa tentativa desesperada de tornar-se imortal, petrificando-se, sem ser Ruína e já sendo.

Muitos umbus imponentes, porém, de uma humildade nítida, quando o mesmo vento que abanava meu cabelo, e o pano largo da bombacha, embalava suas crinas de guardiões  – tempo e memória.
Recorri todos os cantos possíveis, e quando entrei na sala reformada para projeções de vídeos aos visitantes - a encontrei - a espera do meu canto. E como estive afinado, totalmente entregue ao canto verdadeiro da saudade do meu povo, que ficara entrelaçado na alma da redução.

"amanheci o canto livre / de um sabiá no parador/ e o serenal derramado / adoça o canto adornado / do lacrimal sonhador"  quem houve o canto da terra/ desconheci a dor da encerra / não sabe as cores da guerra / e adora um único Santo...

Reconheci, ali o verdadeiro sentido de uma canção que nasceu e ainda não tem nome: talvez a chame de: Catedral do Canto Livre.

A minha fascinação pelos cavalos encaminhou-me, por último, ao potreiro onde pastaram e descansaram, aguardando a missão diária,  os altares de pêlo e crina, servidores também da terra, que até hoje provavelmente, habitam o sangue dos meus cavalos.
Senti seu cheiro, os vi estendidos no pasto, e os pelos que ficavam, após a famosa "rebolcada" para relaxar, depois de cumprirem a lida diária. Estavam bem... e me entregaram antes de partirem estas palavras:

Catedral

Também - de pedra - meu cantar não se termina
Caído ao solo beijo a terra e escrevo a sina...
Terra vermelha é minha cor no arrebol
pois tenho sol no sangue em paz que me ilumina.

Também, de bronze, estou de joelhos catedral
No pedestal que cala os sinos, faço prece...
Quem não merece  – a terra  em si – terá perdão
Pois gratidão a vida tem e nunca esquece!

Seguem aqui ruinas índias e horizontes,
Bebendo a fonte do silêncio natural...
Senti teu cheiro, mãe divina, em berço livre
Hoje o que eu tive foi tua benção Catedral.

Seguem aqui, hoje emplumados Guaranys
No bem-te-vi, no João Barreiro e entre os guardiões
Querendo sempre querer mais o quero-quero
Sei o que espero e busco, aqui, muitos perdões...

Também de vento estou soprando - em ti - templário
No pedestal que fala o tempo a crosta esquece,
Ouvindo os prantos que derramam tua imagem
Achei coragem Curandeira em canto  e prece.


Hoje o que eu tive foi tua benção - Catedral.

Lisandro Amaral
26 de outubro de 2010.