terça-feira, 20 de novembro de 2012

Chuva que a alma é quem sorve, vira papel pra o escrito


Palavras do autor

Perambulava eu, após 70 quilômetros de estrada esburacadas, em uma estância perdida entre Bagé e Lavras do Sul. Encontrava-me num desses almoços típicos daquela parte do mundo, em que pessoas desconhecidas umas das outras acabam compartilhando a mesma mesa, ao sabor aleatório da hospitalidade daquelas plagas. Aí um cavalheiro, que eu não conhecia, e que não sabia quem eu era, me disse:
- Estou lendo um livro muito legal, chama-se " A árvore que falava aramaico".
Conhece?


Foi um lindo dia.






Chuva que a alma é quem sorve, vira papel pra o escrito



Perdi palavras...  do livro azul da memória
e fui ler sobre a história que me traz o céu do dia...
conheci as sesmarias e os cavaleiros leitores.
Andamos nos corredores e saboreamos o arcaico
depois de muito após Cristo, despaginados da fé
sei que entre a “Lavra e Bagé” inda se ouve aramaico.

Uma vez - neste caminho - um tal cantor de Olhos d´água
destes que o corpo deságua em mil palavras  – Francisco
por seguidor eu me arrisco contar em verso o que sei
pois imagino ser Rei o pregador que solito
traduz a força de um rito e humildemente absorve:
chuva que a alma é quem sorve vira papel pra o escrito.


Era um tropeiro cruzando, adiante, um rádio de pilha
rodeado pela coxilha e o infinito celeste...
marcas no rosto do agreste,  vinha no mas de ponteiro
e sujeitou seu parceiro de corredor e invernada
pra se apear junto a aguada onde esperava um senhor
Já sem lenço e tirador, porém com a mesma mirada.

Disse o tropeiro em saludo:
 – Que linda marca - paisano!
– Como não... disse o vaqueano   na mais perfeita saudade.
(e um turbilhão de verdade percorreu céu e memória)

Trazia um rádio de história numa chamarra bonita
coisas que o vento e a escrita colheram ao tempo do couro
e não sabia o tropeiro que estava diante do autor
do hino do corredor onde nasceu o Quintino
e onde morreu Gratulino nunca falou-se aramaico,
desconhecemos o hebraico – genuína prece de ouro
ouvimos Rincão dos Touro e saboreamos o arcaico.

Por isso Chico Botelho... precoce sábio da escrita,
nessa mensagem infinita que te alcança o cavalheiro
chega o poder e o dinheiro que traduzimos ao pó...
na poesia do só, formarás o teu mosaico
e saboreando o arcaico do céu azul que cativa
tua palavra está viva e a sombra fala Aramaico.

Lisandro Amaral

20 de novembro de 2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um certo Índio Rivero


Dos feitos de andar na vida
Tive um que foi festeiro...
Quando uma tarde de março
Ofertou-me  um grande abraço
De um certo Índio Rivero

                           fotos: http://www.fernandonipper.com.br/

Tinha a pureza do tempo
O olhar sofrido em ressabio
E nesta tarde de março
Eu conheci num abraço
A voz perfeita de um sábio

Eu tinha mulas pra andar
Ele, uma vida de lombos.
Falou em voz firme e calma
Dos seus feitiços de alma
Das suas glórias e tombos

E vi na pele morena
Colorada en cunumy
Que a vida é índia e despreza
Nos novos cultos e rezas
De peles antes daqui.

Vi que o gaúcho em Riivero
De couro mais que carnal
É uma semente que anda
Cicatrizada comanda
Calma de tempo irreal...

Foi numa tarde de abril
Lá no fortim do Minuano
Que num bagual negro escuro
Eu percebi que ainda juro
Amar meu solo pampeano


Vi que o Rivero era o tempo
Em voz perfeita ao relento...
E poucos viram sua face!
Aonde o campo renasce
Bem mais que em tempo sem vento.

Dos feitos de andar na vida
Tive um que foi festeiro:
Quando uma tarde de abrigo
Ofertou-me  um grande amigo
Um certo Índio Rivero.







                                                                       17 de setembro de 2012


















segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A solidão ensina



                                                      Nelson "Leja" - domador

                                                    (foto Gustavo Perez)



A solidão ensina...


Muitas vezes pedimos tempo para estarmos isolados do mundo...
Poucas vezes entendemos que somos o mundo precisando de nós...
Solitariamente hei de gritar que estou só no meio da multidão.
Que sou a multidão necessitada da minha voz para um couro das vozes - de muitos - em nome de todos...

Grite solitário... és o caminhante individualmente ligado ao meio onde vives...
Caminhe em grupo e reconheça que dar as mãos é o melhor gesto para continuar em pé.
A solidão ensina - que estar só  -  é alimentar a alma para viver em grupo.

Quem não se reconhece só,  não alimenta a necessidade da multidão.

Não existe... não aprende e muito menos ensina.


Na imagem 

Nelso é uma rima da palavra SOLIDÃO.
Uma verdade absurda do tempo "gaucho" que muda
e reinventa a escuridão.

Todos em em prol de si mesmo
e Nelso... um vulto que a esmo 
golpeia a vida e o não.

Tudo é mentira na vida 
verdade mesmo é a ferida
cravada na sina em cruz
onde estes "Nelsos" sem rimas
vão se apagando em esquinas
no preto e branco da luz.


E solitário amanheço.
Eu que aceitei o endereço
do posto do verseador.
Sou rima nova que abriga
a raça "gaucha" inimiga
da escória em ti povoação.

Sou solitário e o meu preço
é retornar ao começo: 


                                      O avesso da multidão.




quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Tempo de Cada Um





Eu conheci Denisser Paz Dos Santos, era um guri feito eu...  que somente o tempo desenharia onde sua raiz o levaria
.
Amigo...  eu virei música! Tu és a arte da madeira...   os restos da história das estâncias que hão de enfeitar nossos ranchos na cidade. Seremos um museu a cada nova família que te pedir uma mesa de trama ou um banco de moerão.

Elas...   as estâncias, estarão gritando em um tempo que não soube cuidá-las... Nós estaremos em nosso mangrulho, vigiando o tempo... na esperança que a matéria prima de nossas artes voltem pra onde nunca deveriam ter saído:   

                                        O tempo delas.



                                              acompanhe Tramas & Tramas no facebook:


https://www.facebook.com/media/set/?set=a.261584473901864.63084.100001509406895&type=1


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Semente de Lua...

Attila Siqueira

 

 

 

De uma semente de lua  nasce o cantar de um tropeiro

que acende olhos noturnos para enxergar alma a dentro...

no céu escrito entre amores, na poesia dos ventos
e em toda a vida na estrada com seus presságios de tempo.

Apeio e componho as garras olhando a tropa que sente

porque meu canto de ronda tem um mistério inconsciente,
que aperto junto da cincha  - olhar de lua em semente -
e vejo que o campo é Deus  rondando a alma da gente!

Canto - semente de lua - pedindo luz pra viver...
...sorriso livre - entre a noite - que espera o sol  pra morrer...
canto de paz maternal - no olhar da lua redonda -
bebendo alma e sereno,  benzendo àquele que ronda ...

Talvez o próprio silêncio
respire junto ao meu mouro?
Que adormeceu sob as garras
suas virtudes de touro...
talvez  entenda - sonhando -
porque a  semente de lua,
que bebe a voz do sereno,
germina um canto charrua?
depois se funde ao orvalho
e sobre a tropa flutua...
...............................................

Escute a voz escondida
que mora  além da paisagem,
perceba, além desta imagem
que te oferece o silêncio!
Onde respira o que penso
a noite passeia nua
e sobre o campo flutua
na poesia dos ventos
pra germinar - alma a dentro -
 uma semente de lua...

Talvez o próprio silêncio
respire junto ao meu mouro?

Escute a voz escondida
que mora  além da paisagem,
perceba, além desta imagem
que te oferece o silêncio!

18 de Agosto de 2004

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Uma embarcação chamada PELOTA

Embarcação feita de couro de boi, de acordo com Debret



Uma Embarcação Chamada Pelota
Sabe o que é pelota? No sentido a ser usado nesta postagem, poderia ser definida como uma embarcação improvisada, feita geralmente de couro de boi. Quem a descreve com mais detalhes é Saint-Hilaire, que precisou servir-se de uma ao passar de uma margem a outra do rio Butuí. Ele é quem conta, com uma pitada de humor, a respeito da rabugice habitual:Um fato interessante é que Debret também deixou um registro desse tipo de embarcação, não em palavras, mas em uma bela imagem, que pode ser vista acima.

“ Ao nascer do dia, começamos a descarregar a carroça, e minhas bagagens passaram para uma piroga improvisada, tão em uso na Capitania de Montevidéu e Rio Grande, onde não há ponte.
...........................................................................................................................
É simplesmente um barco de couro cru ligado nas quatro pontas e que, desse modo... 
... enche-se a pelota de objetos e, ata-se nela uma corda ou tira de couro; um homem, a nado, prende a corda entre os dentes e faz passar assim a piroga. Para facilitar o trabalho meus homens estenderam uma corda de um lado a outro do rio, com a intenção de ajuda-los na travessia a nado.

http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=433289#.T_Wy5uLqgiE.facebook

 

Travessia em Arroio Pelotas marcará aniversário de 200 anos da cidade


 

 

Quem vai por o peito n´água

Neste inverno onde me agravo?

Quem fará a vez do escravo

Na inclemência do tirano?

Tenho sugestões paisano:

Uns pra dentro outros pra fora

Certamente irão embora

Congelados rio a baixo

Pelotear? Coisa pra macho

Quem não é  - já se apavora.


 

Boia de cuia nos braço

Reforçados de heroísmo

Poesia pro nativismo

Que se olvida desta raça

Negro irmão meio a fumaça

Desta gente que não rema

Pelotear foi teu dilema

Na escuridão da charqueada

E nas costas da negrada

Gente grande nunca rema

 

Voto em muitos pra puxar

Outros tantos pro passeio

Gente longe dos arreio

Que desgastaram riquezas

Gente fina com certeza

Que ostentaram pratarias

E no inverno da poesia

Vão  botar o peito n´água

E relembrar muita mágoa

Que a pelota nos trazia.

 

Não me levem por Zumbi

No meu Palmar de improviso

Não saí do escravagismo

Na palavra -  acorrentado

Sou mais um negro soldado

Que ficou sem um tesouro

E este barquinho de couro

Que venceu água e distância

Deve descansar na ânsia

Dos negros que valem ouro.


 


Bueno então boa façanha

Até mais um centenário

Onde seremos lendários

Puxadores de pelota

Vou parar com esta lorota

Por ocioso é que eu caminho

Meu verso não tem espinho

É só uma dor que ainda chora

Por negro que eu vou embora

Quem quiser puxe o barquinho.

 


SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul
Brasília: Senado Federal, 2002, p. 327
(**) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2
Paris: Firmin Didot Frères, 1835
(O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi levemente editada para facilitar a visualização.)





  

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Se assinam VENTO senhores

Entre as tantas histórias que renderão a passagem, no Rio Grande do Sul, das gravações do filme O Tempo e o Vento, um temporal positivo na vida de muitos (inclusive na minha) busco arquivar fatos e pessoas que se reuniram em tão pouco tempo na minha memória.  Ou seria há muito tempo?
Colhi contos de muitos figurantes que dispensavam figurinos e maquiagens. Cito, para dar exemplo, o inesquessível “Nelso” o domador que atuou como padre Jesuita, e 200 anos depois, atuou como Nelso o ele mesmo.
Rumo ao Oscar, segue até hoje o seu personagem no filme, ou melhor, na novela como acostumou chamar o longametragem. Mas isso fica para outro conto.

Hoje me deparei com uma postagem - no popular facebook  - que transcrevo para todos com: pergunta, foto e resposta.

Tenham uma boa semana.

Lisandro! Este paisano passou aqui na estância para descansar, como foi no final de semana e eu não tava, queria saber se conheces? Pois parece que é de Bagé ou Aceguá.  Deixou muitas histórias e poucas informações... só disse que estava vindo de herval e ia para Pelotas filmar (figurante) o tempo e o vento, se conheces esse gáucho me dá informações...gracias e saludos... (Luis Mascaranhas Neto)


Não sei se ajudo dizendo
Que pouco sei do andante...
Nada que sei é o bastante
Mesmo assim, sigo escrevendo.
Há muito anda vivendo
No ermo dos corredores
Preferiu os dissabores
Do pouso incerto e da sina
Deixou crescer toda a crina
E assina “Jorge” senhores.

Um dia encilha a gateada
Mais cuidada que a melena
Noutro o mouro torena
Pelo da noite gelada
Não anda de madrugada
Pra não sofrer seus sabores
Há muito que os sonhadores
Imitam feitos e sinas
Deixam crescer toda a crina
E buscam rumos senhores

Pra onde vai o andarilho?
Pergunta que não carece.
Pergunta que não merece
E resposta que não encilho.
Jorge é mais um destes filhos
No colo dos corredores
Que escolheu mamar nas flores
Que o mundo deixou sem pai
E se ele sabe aonde vai
Pouco me importa senhores.

O conheci chimarreando
Lá no banhado dos Blanco
Buenacho em prosa de banco
Sempre os pingo rasqueteando
Fronteiriço e meditando
O rumo, as luas e as cores
Compromissos são amores
Que o tempo deixa no más
Quem pensa sonha pra trás
“Jorge não sonha senhores”

Não o vi de figurante
Ou melhor, vi sua figura
Ilustrada criatura
Ao melhor jeito do andante...
lapidado diamante
- não erra nunca a doutores -
Disfarçado entre os atores,
Comeu bem e deu risada.
Cruzou por mim na gateada
Mouro de tiro -  senhores.

Pra onde vai sem escolta?
O que eu sei que é de confiança
Rastro gateado de herança,
Rastro mouro que se solta...
O vento e o tempo que volta
Veríssimo em dissabores
Licurgos em seus valores
Luzias loucas insanas
São Cambarás sem Bibianas
Se assinam VENTO senhores.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A alma inteira por nós


foto Marco Peres


Aguardem que sopra o vento
 e me empurra além de mim...
todos  que são de onde vim,
irão pra onde eu alcanço
e neste passo que eu danço
há uma luta interior
desde que nasci cantor,
tudo que busco é por nós...
jamais estaremos sós
quando soprar tempo e vento
e o que eu não tenho em talento
 busco na alma da voz.

Há uma luz primitiva
no olhar do sol do guerreiro
“couro de potro ao sombreiro
seu toldo índio em combate”
eu já cruzei pelo embate
que poderia cair
e preferi prosseguir
pelos soldados que tenho
todos estão neste empenho
de pampeana ideologia
e quando encilho de dia
é que ainda sei de onde venho.

Ame a calhandra que voa,
ame o umbu soberano;
almeje o solo minuano
no culto ao pasto nativo.
O tempo é o vento onde piso
e o que ficou em palavra
é o que  a história nos lavra
e repetimos por nós.
Nunca estaremos a sós
enquanto formos guerreiros
couro de potro ao sombreiro
na alma antiga da voz.


Couro de potro ao sombreiro e a alma inteira por nós .