A lua é minguante, a noite um feitiço
e o sol é o bastante pros meus compromissos...
Não fosse esta chuva, eu teria potrada!
E embora o inverno, eu seria mais cerno
e estaria eterno domando na estrada.
Aos tantos gaúchos que o tempo consome,
aos tantos sem nome que a Pátria ignora
eu clamo no agora e entrego o que tenho...
Irmãos que mantenho ao alcance do verso
e assim eu regresso ao lugar de onde venho.
Passei um dia de "loqueteio" no trânsito da nossa importante Capital, até que cheguei na rodoviária, após horas e horas rodopiando no conturbado fluxo automobilístico metropolitano, envolvido com as funções de concretizar o projeto Canto Ancestral. Penei tanto que fiquei meio ansiado como dizem na campanha. Trocaria um CD novo por um ENO da minha falecida vó.
O mau humor causado pelo trânsito até me deu vontade de vender mais caro o Livro. Mas vocês não têm nada a ver com isso. Ou têm...?
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Uma feita o "Nelso Leja" - folclórico domador fronteiriço - estava ajustado na Santa Margarida, Estância renomada na região de Bagé. Dizem as bocas galponeiras, que esparramam causos pelos galpões, que Nelso, decidido gaúcho e sempre só (com a canha) ou acompanhado de um ajudante inexperiente, destes que ele costuma chamar de “Ensaboado”:
– “nã os diabo me procuram, pedem uma boca de ajudante, mas são ensabuado, um bagual se sacode co´as garra e eles cai! Bah!!! Depois o Nelso é loco... anda quaji sempre sólito co’a cavalhada por diante. ” (e a canha)
E tinha razão o Nelso, a mão de obra, nesse meio rural, é complicada desde os tempos do Sepé Tiarayu que, dizem as línguas, parou de domar por falta de ajudante!
Nelso decide cruzar com um lote de potro a BR 153, que passa em frente à Santa Margarida, solito, ou melhor, ele e a canha, o cavalo que andava e Deus. Este último senhor eu tenho certeza que andava.
Agora peço licença para tentar descrever o "cuento" no seu linguajar, e aproveito também, pra pedir que imaginem: um tipo indiático, misturado aos traços que a gauchada pegou dos povos vindos de fora, e derramem nele, anos de sol a pino, geadas bagualas e muita, mas muita poeira de mangueira. Ah! E é claro, não esqueçam de desenhar em nosso personagem umas bolsitas nos olhos mal dormidos de acumuladas madrugadas de surungos na Cleia Rocha e o aspecto avermelhado de um gaúcho embalsamado em canha, muita canha pra engolir o desconforto.
Diga Nelso:
– "nã eu saio rapá, solito com um lote de potro sabe? Da Santa Margarida, dos "Mógle" onde eu tava domando. Eu e Deus né tchê. Sem nem um ensaboado pra me ajuda rapá.
E não é que do-lhe portera – pôs tinha que cruzá na faxa - ia pra umas gauchada no 93 e, como sempre, levo um lote de bagual pra estendê. Que sempre sai algum empachado que se alinha só na estrada e, às vez, de noite.
Nã rapá, quando saio e o olho, vindo do lado de Porto Alegre, um quexo curto, destes Fiet... mas a sorte é que não vinha tão ligero o quexo curto e foi quanto que o home defendeu o primero bagual, e eu barbaridade!!! Quaji morri rapá... ia matá uns cavalo de luxo, que vendo tudo que tenho e não pago a cola dum matungo destes. Tudo criolo da Santa Margarida sabe? Dos Mógle.
Quando o home livrô o segundo bagual eu peguei a me aliviá, porque vi que o home não era manco... E o quexo curto arrodiva se desviando dos cavalo. Lá pelo meio da cavalhada rodopiô e se foi... se foi que ficô de novo co’a cola virada pro lado de Porto Alegre.
E eu só mirando no más por que nem reza não sei rapá! Mas Deus andava comigo e eu te juro rapá: não tinha tomado nada. Só mate!
Quando esse home se baxo do auto: pra que? Imagine um home brabo. E o que é pior - com razão...
O home me xingava e me putiava... eu fui me apeando e tirando o chapéu... com o coração saltando pela boca eu dizia pro home véio: possa xingá no más companhero, o sor tem razão só me dexe le dizê uma coza e se possível le dá um abraço porque o SENHOR É GUIDOM, o SENHOR É GUIDOM.
Um pouco de alegria no Diário do Andante
Coisas que o tempo não mata
mesmo que morram BASTANTE...
Pedindo ao Nelso que dome,
com canha, sorte e humor
Eu seguirei andarilho
- nativo eu sou cantador -
minha cachaça é meu verso
e eu peço ao tempo que os Nelso
sigam no campo SENHOR.
Lisandro Amaral
Estrada, 18 de agosto de 2011
Texto encantador Lisandro. Me fizestes rir um monte. Abraço!
ResponderExcluirtche, texto fenomenal, me senti o proprio Nelso Leja vivienciando a cena,a simplicidade do linguajar torna a cena como se fosse algo muito proprio e encantador. Parabéns continue e sua saga de andante e nos mostrando esses xucrismos tão interessante e que só temos aqui no nosso RIO GRANDE! UM FORTE ABRAÇO!
ResponderExcluirAdorei!!! Consigo enxergar o Nelso... como tantos Olavos, Nelcis, Joãos que ouvi contando seus 'causos' na frente de uma lareira de galpão... mate cevado e a canha do lado. A campanha tem dessas pérolas, dessas coisas que o tempo não mata!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTche...mas que momento...que momento..Nelson Leja ganhou até uma homenagem na música escrita pelo André oliveira e musicada pelo Pedro Terra...e cantada pelo Henrique Abero no CD Canto Fronteiro dele..
ResponderExcluirEscramuço prima e bordões
No saludo a um domador
Vou cantar Don Nelson Leja
Que ao longo do corredor
Estendeu potrada ajena
Milongueando nazarenas
Nos flecos do tirador...(André oliveira)
Buenas Lisandro! Que alegria e benção poder beber na aguada boa da querência neste espaço, nesta percepção do andante. Resgatas a essência de tantos, Lisandro! Comunicas a mensagem que a terra anda querendo transmitir, ou melhor, ela transmite se pararmos para ouvi-la, e desfaz por instantes o brutal imediatismo do mundo de hoje. Grande abraço!
ResponderExcluirBarbaridade tchê! consigo enxergar o taura, com
ResponderExcluiro coração na mão, Vivemos todos os dias momentos
de apuros, devemos tirar o que nos deixa de bom
cada um deles. Mas o causo do Nelso contato acima
é de grande graça.