terça-feira, 14 de junho de 2011

MIRADA

                                                                          "vichando" aquarela de Francisco Madero Marenco (Argentina) 

Amigos

Um saludo para todos, falo do lado de cá da minha imaginação orgulhosa, que comemora muito lúcida a importância de ser lido. Com sinceridade tento – obviamente - de maneira impossível, por entender-me humano, evitar o envaidecimento causado pelas numerosas visitas deste espaço, o Diário do Andante. E por isso hoje abraço a todos que já acompanharam às muitas linhas que dediquei aos que me oferecem um tempo precioso.
Comunico que tenho um texto novo, sobre a chuva, guardado para a semana que vem.  Sim, essa mesma chuva que ainda teima em não chegar no meu rincão, mas que há uns dias atrás me encontrou motivado a escrever e, por uma hora umedeceu os campos da minha Bagé. Mas isso será outra história.
O assunto hoje, retornando ao começo do tema, é de comemorarmos o número de acessos ao Diário Do Andante ter alcançado hoje, 14 de junho de 2011, quando completa apenas dois meses de existência: 9.123 visualizações.
Repetindo as palavras acima, convido para nesta simbólica comemoração que, possivelmente nos levará ao ambiente que principalmente me agrada estar que é o verso dedicado ao campo e seu universo onde me identifico muito com o que escreveu o sábio Jorge Luís Borges – impressionante escritor e poeta argentino:
" Não criei personagens, Tudo que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção."
Com a proporção real que separam autores, cito este mestre da palavra, aconselhando-o para importantes leitores deste meu espaço de peregrino das palavras... e assim sendo, estaremos reforçando nossos encontros e nutrindo: olhos, ouvidos e vozes para o preparo da consciência e da importância da leitura de qualidade, que não salvará mais o mundo, porém melhorará o caminho que nos cobrará ainda muito se estivermos vazios do poder poético das palavras sábias que inundam um mundo oculto para muitos.
Seguem aqui meus símbolos, minhas fábulas, mas pricipalmente minha emoção que, não autobiográfada desta vida, mas possivelmente de inúmeras anteriores, teimam em mudar minha respiração quando escrevo.


m i r a d a

Nem o sol clareava bem a humildade dos campeiros

e a milícia de tropeiros já ia ao tranco na estrada;
reinava a força dos pingo, pechando pra São Domingos todo o vigor da boiada.

(A tropa lenta e manheira, pesava no corredor,
o empenho da culatra - cantava no arreador -
e o capataz comandava, junto à poeira que tapava, os que faziam fiador.)

CAMINHO largo aos que miram com olhos de chegar cedo,
CAMINHO lento aos que enxergam as distâncias de um tropeiro...

Mil e pico de boi gordo rumo ao céu de uma charqueada;
passo lento, feito todos, que meus olhos bolicheiros,
viram passar resmungando entre berros e bocejos...
...junto ao destino de boi que leva a própria carcaça
e deixa a imagem que passa chorando o próprio cortejo...

Cria "dadonde" o mulato corpo leviano num mouro?
E aquele feições de touro que,  quando ergue a soitera
Parece erguer a bandeira numa "escramuça" de guerra?

Maior herói farroupilha se torna o taura em vigília,
no fiador ou na culatra, somente a estampa relata
donde vieram os pampeanos que empurram bois e existência,
pra terem mais que a experiência na altivez de vaqueanos!

CAMINHO largo aos que miram com olhos de morrer cedo,
MIRADA índia que enxerga a vida além das janelas...

Um céu de maio nos ombros denuncia o veranico;
um bragado - pingo e pico - atrás de um boi se desmancha  quando a tropa negaceia,   parece levar nas veias coragem abrindo cancha, por crioula e libertária,
e a nobreza no combate que se escapa e não se prancha
por que traz de Gato y Mancha  sua alma hereditária.

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Muitos anos de bolicho, tantos outros de quilero
e me aquerenciei pulpero, dono de mim, junto aos meus,
numa linha de fronteira onde a altivez campeira  perpetuou-se em  hombridade! 

E as previsões de taperas que assombram quem permanece:
lavrando a boi - feito prece – mariposeando a quietude
mesmo que o campo se mude para expandir-se a cidade...
hão de beber humildade estes tropeiros do nada,
que sempre encontram aguada nos descaminhos do rumo
em pulperias pro fumo e goles de madrugada!

CAMINHO lento que para junto ao balcão do vendeiro,
AGUADA antiga que nutre a solidão de um tropeiro...

Buenos dia!!!
- Da onde o fumo?  Pergunta um, dos que chegaram  primeiro.
- De onde veio - lhe devo!  Pro céu te leva certeiro!

Num sorriso ergueu-se a face judiada do forasteiro.
- Deste mesmo, um naco bueno,  pra o picumã no chapéu
que dos perigos da estrada somente quero a morada e o catre largo do céu!

- A canha sim te garanto a procedência serrana;
de enfeitiçar querendonas e adormecer no teu ninho.

- La pucha!   Melhor que vinho!  Disse o segundo campeiro.
- Duas garrafas pulpero.
Que não me falte dinheiro pois quero ainda umas bala.
Que mais adiante se fala de um povoado além do passo
e se não rondo - me passo -  e adoço alguma janela
roubando alguma donzela pra descansar no meu braço.

- Não facilita os cachorro te manotearem do pala
e no lugar da donzela,  tu te agarre com o pai dela que gosta muito de bala.

Caminho largo que para pra algum sorriso guardado,
Bolicho amigo que espera algum tropeiro cansado!

Quatro mudanças de lua, somente quatro estações...
Centenárias gerações:  novo gado, outro dono,
Sai verão,  acorda outono...  TROPA!!!  TROPA!!!   Afina no cotovelo,
que os arame do Curbelo  tem mais remendo que trama
e se apertá se derrama noutro lado do potreiro!

VOLTA BOOOI!!!
                           
                                Aboio largo se perdendo junto ao tempo...

VENHA BOOOI!!!

Chamado errante do ponteiro que caminha,
convidando a tropa larga para o seu próprio cortejo.

Resmunga o gado andarilho...
e o meus olhos bolicheiros enquadram tropa e tropeiros.

    Num veranico de maio pintei mais uma aquarela...
MIRADA índia que enxerga a vida além da janela...

16/06/2004
 obrigado por acompanharem meus singelos passos.

3 comentários:

  1. Buenas!
    És merecedor de tamanha admiração.
    Tens o dom de traduzir em palavras o que trazes na alma e no coração.
    Tuas palavras encantam e emocionam.
    Carregam sentimentos profundos e transformam nosso ser, positivam nosso espírito cada vez que, em nelas, buscamos alento.
    Sou admiradora do que escreves. Pois, muito mais que palavras, são sentimentos, muitas vezes compartilhados, que figuram em teu blog.
    Que o Patrão Velho te conserve a alma e o espírito. E que o dom de arrancar sorrisos, de tomar nosso tempo, de fazer rolar uma lágrima, de despertar e encorajar os sonhos dos outros, jamais te abandone.
    És iluminado.

    Abraços saludos.

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  2. Buenas Lisandro!
    Acompanho teu blog desde o princípio do mesmo e percebo, a cada visita, que te aproximas mais e mais dele - e de nós - meros apaixonados pelos reais precursores da raça. Que bom que tu escreves por nós... escreves, cantas, alimentas e revives por - e em nós! - essa vontade telúrica de não desistir do que é nosso. Gosto tanto de passar por aqui. Me faz bem sempre!
    Espero eu poder acompanhá-lo, ainda que somente pelo blog, por muitos e muitos anos. É minha forma de unir Missões e Campanha.
    =)
    Beijo enorme!
    (PS.: para fechar em grande estilo, cito:
    "Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria." Jorge Luis Borges)

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  3. Mais um texto, mais um poema, mais uma reflexão da alma gaúcha! Que lindo Lizandro... admiramos teu trabalho cada dia mais... e mantenho, cada vez mais reforçada, a impressão que tive quando escutei teu primeiro trabalho... 'Mas é bom esse guri lá das bandas de Bagé... poeta como poucos!' Forte Abraço de uma família que reside em Pelotas mas tem a querência nos serros do Herval! Eduarda, Guilherme e filhas.

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