segunda-feira, 6 de junho de 2011

CURANDEIROS



Dedico este texto à memória dos missioneiros que conheci em forma de palavras e melodias e viverão sempre nos meus passos  de andante diário.


Eles estiveram lá...     

Onde há ruínas, cheguei tarde ou retornei? Agora, com outro tipo de missão cheguei há tempo nas ruínas missioneiras: Redução de São Miguel.

         24 de outubro do ano de 2010.     Senti-me jovem, e ao mesmo tempo mais antigo que a saudade dolorida que habitava a Catedral. Não consegui guardar, só para mim, as lágrimas e palavras que afogavam o interior. Chamei pelo telefone o meu guia geral, que apelidaram, nesta vida, de Eron Vaz Mattos e simplesmente agradeci a ele o que era, para mim, a mais próxima intenção de saudade.

Eu estive lá... 

Onde há ruínas, afagou-me o vento manso como o filho que retorna e tem saudade do carinho materno da terra – Mãe de todos –  Mãe  para todos...

Entendi exatamente sua cor vermelha. O simbolismo das paredes e, aprendi que até na pedra fundem-se as raízes da figueira, numa tentativa desesperada de tornar-se imortal, petrificando-se, sem ser Ruína e já sendo.

Muitos umbus imponentes, porém, de uma humildade nítida, quando o mesmo vento que abanava meu cabelo, e o pano largo da bombacha, embalava suas crinas de guardiões  – tempo e memória.
Recorri todos os cantos possíveis, e quando entrei na sala reformada para projeções de vídeos aos visitantes - a encontrei - a espera do meu canto. E como estive afinado, totalmente entregue ao canto verdadeiro da saudade do meu povo, que ficara entrelaçado na alma da redução.

"amanheci o canto livre / de um sabiá no parador/ e o serenal derramado / adoça o canto adornado / do lacrimal sonhador"  quem houve o canto da terra/ desconheci a dor da encerra / não sabe as cores da guerra / e adora um único Santo...

Reconheci, ali o verdadeiro sentido de uma canção que nasceu e ainda não tem nome: talvez a chame de: Catedral do Canto Livre.

A minha fascinação pelos cavalos encaminhou-me, por último, ao potreiro onde pastaram e descansaram, aguardando a missão diária,  os altares de pêlo e crina, servidores também da terra, que até hoje provavelmente, habitam o sangue dos meus cavalos.
Senti seu cheiro, os vi estendidos no pasto, e os pelos que ficavam, após a famosa "rebolcada" para relaxar, depois de cumprirem a lida diária. Estavam bem... e me entregaram antes de partirem estas palavras:

Catedral

Também - de pedra - meu cantar não se termina
Caído ao solo beijo a terra e escrevo a sina...
Terra vermelha é minha cor no arrebol
pois tenho sol no sangue em paz que me ilumina.

Também, de bronze, estou de joelhos catedral
No pedestal que cala os sinos, faço prece...
Quem não merece  – a terra  em si – terá perdão
Pois gratidão a vida tem e nunca esquece!

Seguem aqui ruinas índias e horizontes,
Bebendo a fonte do silêncio natural...
Senti teu cheiro, mãe divina, em berço livre
Hoje o que eu tive foi tua benção Catedral.

Seguem aqui, hoje emplumados Guaranys
No bem-te-vi, no João Barreiro e entre os guardiões
Querendo sempre querer mais o quero-quero
Sei o que espero e busco, aqui, muitos perdões...

Também de vento estou soprando - em ti - templário
No pedestal que fala o tempo a crosta esquece,
Ouvindo os prantos que derramam tua imagem
Achei coragem Curandeira em canto  e prece.


Hoje o que eu tive foi tua benção - Catedral.

Lisandro Amaral
26 de outubro de 2010.



   

2 comentários:

  1. De todos os textos esse foi o que mas me emocionou. Porque eu conheço essa terra. Porque eu nasci e me criei aqui. Eu levo no sangue essa vontade de reerguer todas as catedrais que ainda habitam o meu chão. Chorei lendo essas palavras Lisandro, chorei mesmo. Um misto de saudade dos que já foram e orgulho pelo que fizeram e deixara, de herança a seus filhos e netos. Como disse Cenair Maicá "no cantar de quem é livre hay melodias de paz!"... teu cantar emana paz Lisandro. Obrigada por seres palanque, campo, catedral! Grande beijo e volte sempre às Missões!

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  2. DO SANGUE COVARDE DERRAMADO
    FIZESTE TEU CANTO CRUCIFICADO
    DA MESMA COR QUE VERTEU RESPINGOS
    MOLDASTE EM NOTAS SORRISOS ABENCOADOS

    AGORA ERGUE A POEIRA DO PALA E SEGUE
    A MESMA ESTRADA QUE TE TROUXE TE LEVA
    IMAGENS NITIDAS LACRIMAM NA TUA GARGANTA
    MESMO COM ARRANHOES, TEU CURANDEIRO PROSEGUE

    E NOS ESCRAVOS DOS HORARIOS E PAPEIS
    NAO VEMOS O QUE TUA MAO ENXERGA E TRAÇA
    MAS SEGUE FILHO INDIO GUERREIRO DE TUPA
    E TEU DESTINO DE CANTO E POESIA DE UMA RACA...


    LUCIUS

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